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A mostrar mensagens de 2015

O Criador

Cansado de vogar por sobre as águas E não ver o seu ser reflectido nelas Cobriu os altos de iridescentes fráguas E os mares se encheram de estrelas Assim se manteve envolto em astros Até se cansar da intensa monotonia Agitou braços imóveis como castros E as águas se encheram de alegria Tubarões caranguejos búzios e algas Carapaus barbos jamantas e peixes sol Corais bacalhaus camarões e lulas Kelp baleias anémonas e peixes lua Tudo isto observou com orgulho fátuo Cuidando ver neles seu espírito retratado Mas os bichos logo o deixaram estuo Ao ver tamanho grupo assim tão parado Como que contentados em apenas existir Por ali pairavam agrupados por género Sem precisão de lutar nadar ou até bulir Pacíficos seres numa paz de desespero Querendo ver o seu enorme ser reflectido Empurrou um cardumezito de peixinhos Para a boca cavernosa dum Lúcio distraído Que comeu um ignorando seus irmãozinhos Porque não os comes a todos de golpada Que tão mansos tos coloquei à f

Ninguém reparou

Ninguém reparou que precisamente no instante em que ela nascia, o planeta Júpiter, sem razão aparente e sem que ninguém,  astrólogo ou astrónomo  o tivesse antecipado, colapsou sobre o seu imenso peso e se transformou numa pequenina estrela azul, tornando,  mais os seus sessenta e três satélites,  o nosso sistema solar num sistema binário, menos extraordinário do que até então tinha sido e alterando de forma radical a paisagem celestial que contemplamos, para indiferença de poetas e pescadores e desprezo de aves migradoras e amantes do alheio e olvido de mitólogos. Ninguém deu conta que quando ela tomou a sua primeira vacina, os eucaliptos da Austrália ficaram vermelhos por duas semanas originando, outras duas semanas depois, que todos os coalas que ociosamente trepavam essas árvores e comiam suas folhas, adquirissem um tom rosa até ao final daquele ano, confundindo-se e multiplicando-se com os flamingos das árvores e, em última instância, dando origem a uma nova espécie animal, fo

Queria ser um Gnu

Queria ser um gnu e deitar a correr pela savana como o caribú que não tem pouso nem cama, numa vida corrida e sem chama. Ter por deus a erva e por demónio o dente, nas nuvens me guardaria Minerva, verdejando o destino à minha frente. Tantos dias, tantos anos carregados para trás e tu ainda aqui estás. Segues colada a um corpo perdido da sua alma que se olha sem reconhecer nele a sua morada. Provavelmente sabes que quase não respiro sem ti. Se quase vejo que o mundo é belo é porque tu estás nele e nele comigo. E eu contigo, presente ausente, sustido por um fio de erva, de ti resisto. Fosse gnu, e serias o meu verde alfa e o meu líquido omega. Fosse caribú, e meu único receio seria anunciado no zumbido donde tu nunca estás. Fosse eu bicho e seria livre para não ser; teria sentidos para não sentir; não me estalariam os ouvidos com as vozes que me dizem que todos vão morrer; que vou partir os tornozelos ao descer as escadas; que sair de casa contigo é perigoso. Fosse besta, ap
Caríssimo, Vivo numa união onde há fome, miséria, exclusão e intolerância. Vivo numa união onde ainda se matam mulheres porque “são mais fracas”; onde se fazem crianças trabalhar; onde velhos são deixados ao seu destino; onde os mais fracos são explorados por ricos e poderosos; onde os governantes se governam primeiro e governam depois. Mas, por algum motivo estranho, esta união tem para si um fascínio especial. Você arrisca a sua vida e a vida dos seus familiares para entrar nesta união. Você cruza os mares, galga montanhas, para vir viver para a minha união. E eu, e todos nós os europeus, deixamo-lo cá viver e cá trabalhar, educar os seus filhos e expressar a sua fé e cultura na nossa união, nas nossas sociedades. E tratamo-lo como um dos nossos. Quando está doente, nós curamo-lo; quando está sem trabalho, nós providenciamos o seu sustento. Será porque na nossa união a vida humana tem valor capital; será porque na nossa união cada um é livre de expressar a sua opinião; será porque
Hoje não sou Charlie Nem será necessário, mas há malucos para tudo, por isso digo já que ninguém, faça o que fizer, escreva o que escrever, desenhe o que desenhar, o faz de tal forma que mereça morrer por isso. Dito isto, reafirmo que hoje e ontem e ainda amanhã, não fui, não sou e não serei Charlie. O jornal é antigo e quase todos, de uma forma ou de outra, já tomaram contacto com as suas publicações sejam elas ilustrações ou artigos. O jornal é uma força cáustica, acutilante e incómoda para a classe política e sociedade francesas. Aponta um frio lápis de humor à hipocrisia das religiões, à ignorância dos tempos, à desfaçatez do poder financeiro. Mas não raro o fazem de forma inconveniente, com mau gosto, com a mesma baixeza que pretendem expurgar da sociedade, com o mesmo cinismo que apontam a outros, com a mesma superioridade dos que pretendem ridicularizar. São mal educados, são mal intencionados, são pornográficos. Por isso, mesmo não sendo preciso faço-o à mesma, não vão os provi