O Criador

Cansado de vogar por sobre as águas
E não ver o seu ser reflectido nelas
Cobriu os altos de iridescentes fráguas
E os mares se encheram de estrelas

Assim se manteve envolto em astros
Até se cansar da intensa monotonia
Agitou braços imóveis como castros
E as águas se encheram de alegria

Tubarões caranguejos búzios e algas
Carapaus barbos jamantas e peixes sol
Corais bacalhaus camarões e lulas
Kelp baleias anémonas e peixes lua

Tudo isto observou com orgulho fátuo
Cuidando ver neles seu espírito retratado
Mas os bichos logo o deixaram estuo
Ao ver tamanho grupo assim tão parado

Como que contentados em apenas existir
Por ali pairavam agrupados por género
Sem precisão de lutar nadar ou até bulir
Pacíficos seres numa paz de desespero

Querendo ver o seu enorme ser reflectido
Empurrou um cardumezito de peixinhos
Para a boca cavernosa dum Lúcio distraído
Que comeu um ignorando seus irmãozinhos

Porque não os comes a todos de golpada
Que tão mansos tos coloquei à frente
Fosse minha a boca e não se faria rogada
Passava-os a todos e mais um pelo dente

Pareceu-me ser um peixinho o suficiente
Para sustentar este meu constituído ser
Deu boa sustança e me deixou contente
Não mato mais do que preciso para viver

Iguais os dias de ontem aos que hão-de vir 
Invadiu-lhe a frase o imenso pensamento
E correu a secar terra e com ela construir
Toda a sorte de bicho sobre o firmamento

Garças Caracóis Panteras e Gado Caprino
Antílopes Sapos Társios Gatos e Babuínos
Salamandras Gecos Osgas e Rãs e Girinos
Águias Cães Doninhas Minhocas e Suínos

Tudo isto observou com orgulho fátuo
Cuidando ver neles seu espírito retratado
Mas os bichos logo o deixaram estuo
Ao ver tamanho grupo assim tão parado

Não via o seu ser reflectido nos secos seres
Feitos para correr e se trincarem em série
Não encontrou descanso dos seus afazeres
Por não acontecer a carnificina da congérie

Paradinhos eles estavam e até bem amigados
O Leão ninava o Cordeiro entregue por sua mãe
As Garças Peixes e Rãs em anedotas enriçados
E os Gnus pulando e penteando a erva tão bem

Prestes a perder a paciência e a tudo borrar
Sente uma lança trespassar o seu efémero
Que voou de longe e ao Gnu cortou a jugular
Quem tão bem lança a morte e com tal esmero?

Atrás de si tropelando em grande confusão
Um grupo de Homens avança em velocidade
Sedentos vão matando os bichos sem reacção
Uns poucos para comer muitos por frivolidade

Aparecendo enorme nos elevados céus
Aos Homens com a sua voz estarreceu
Matais tão bem e mesmo a gostos meus
Mas de vos criar cá não me lembro eu

Os Homens muito acovardados se prostraram
E só passado algum tempo um se afoitou
Os pêlos brancos e o cajado os outros calaram
E olhando para cima e sem medo assim falou:

Somos bicho sui-generis que de todos difere
Sem espelho onde nos ver nesta grande natura
Se é tão grande o teu espírito então confere
Se não somos Nós Criador e tu criatura

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