Vivesse, o que seria espantoso mas não impossível nem inédito, Fernando Pessoa celebraria o seu centésimo, vigésimo aniversário. Trinetos ou outros parentes mais lá para a ponta de um ramo familiar tivesse, que bem lhe quisessem, e teria uma festa de anos. Ao ser encomendado o bolo de aniversário, os bufos da ASAE certamente delatariam o facto e a zelosa entidade obrigaria, durante a canção de parabéns e até a última vela estar apagada, a presença de uma corporação de bombeiros e que o bolo estivesse debaixo de um sistema de exaustão de forma a não comprometer a qualidade do ar interior. Pessoa, com as forças que lhe restam, ri. Só perde o bom humor quando pede um jarro de tinto e recebe uma dupla negativa: a da peniqueira, perdão, auxiliar à terceira idade, do lar onde habita há mais de cinquenta anos e a do inspector da ASAE destacado para a celebração. À primeira, a peniqueira, Pessoa ladra entre dentes que tem cento e vinte anos e que se morrer com o tintol no goto será um regalo.