Caríssimo,

Vivo numa união onde há fome, miséria, exclusão e intolerância. Vivo numa união onde ainda se matam mulheres porque “são mais fracas”; onde se fazem crianças trabalhar; onde velhos são deixados ao seu destino; onde os mais fracos são explorados por ricos e poderosos; onde os governantes se governam primeiro e governam depois. Mas, por algum motivo estranho, esta união tem para si um fascínio especial. Você arrisca a sua vida e a vida dos seus familiares para entrar nesta união. Você cruza os mares, galga montanhas, para vir viver para a minha união. E eu, e todos nós os europeus, deixamo-lo cá viver e cá trabalhar, educar os seus filhos e expressar a sua fé e cultura na nossa união, nas nossas sociedades. E tratamo-lo como um dos nossos. Quando está doente, nós curamo-lo; quando está sem trabalho, nós providenciamos o seu sustento. Será porque na nossa união a vida humana tem valor capital; será porque na nossa união cada um é livre de expressar a sua opinião; será porque na nossa união cada um pode adorar o seu Deus, ou nenhum, se assim o entender? O que o atrai? Que sociedade é a sua que dela foge mas que quer que a nossa siga os mesmos valores que o fez partir? Aceitamo-lo cá. Queremos o seu contributo. Mas não queremos a sua sociedade. Porque este é a nossa união. Construimo-la com fundações antigas, a lei de Roma, a política de Atenas, a fé de Jerusalém e de Nazaré. Conquistamos parte do continente a Sarracenos a jorros de sangue; lutamos e matamo-nos incessantemente, intestinamente durante séculos para chegarmos aqui. A uma união que você deseja mas não suporta. Por isso, tenha atenção: falamos português, espanhol, inglês, francês, catalão, italiano, flamengo, alemão, gaélico, mas não falamos árabe. Queremos que você continue a falar árabe, mas aprenda uma ou duas das nossas línguas e use-as. Somos tolerantes, dizemos bem e mal de tudo e de todos. Um cartoonista português desenhou o Papa com um preservativo no nariz. Houve que se insurgisse, quem se incomodasse. Protestaram, manifestaram-se e repudiaram o cartoon, mas não mataram o cartoonista. Não mate os nossos cartoonistas. Por isso, se o incomoda o facto de a minha filha partilhar a carteira de escola com um menino, vá-se embora; se o transtorna que as ruas da nossa união estejam marcadas por cruzeiros, igrejas, nichos e santuários cristãos, pois essa é a religião de quase todos nós, vá-se embora; se o enoja que a minha mulher trabalhe, conduza e cumprimente os seus amigos, vá-se embora; se não aceita que homens e mulheres nadem juntos numa piscina, vá-se embora; se é contra a sua fé que rapazes e raparigas, homens e mulheres expressem a sua amizade e amor em público, vá-se embora; se o enfurece que façamos humor com Deus, com as tremendas incongruências dos três Livros, com os profetas e o clero, vá-se embora; se o desgosta que duas mulheres se amem ou dois homens se casem, vá-se embora; se se sente inseguro por um médico tratar a sua mulher ou filha, vá-se embora. Não vamos mudar, não vamos ceder. Não vamos parar o trânsito cinco vezes por dia. Não vamos ter piscinas e escolas e lugares de culto e zonas das nossas cidades segregados. Não vamos proibir os de nós que são homossexuais de se expressarem como qualquer outro de nós que não o é. Não vamos matar nem deixar que você mate quem quer que seja. Se você quer viver de acordo com as nossas leis, se quer comungar do nosso ideal de liberdade, fraternidade e igualdade, seja bem vindo, caso contrário, se vem apenas usufruir do nosso bem-estar e atemorizar, vá-se embora!

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