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A mostrar mensagens de março, 2018

O pé direito

Enquanto descia a escadaria, olhava os pés. Ora o esquerdo; ora o direito. E se o pé esquerdo lhe parecia um pé esquerdo –como o direito lhe parecia esquerdo quando se olhava nua ao espelho, chegando o olhar aos pés como que em fim de viagem, iniciada nos olhos e com passagem pela púbis desértica– e se o pé esquerdo lhe parecia um pé esquerdo, o pé direito não lhe parecia um pé direito. Inicialmente procurou não pensar nisso. Depois optou por não olhar para os pés, sobretudo o direito –tal como fazia com o peito, que nunca o olhava desnudo por ter uma ligeira assimetria, sendo isso razão para apenas o olhar quando o peito já se encontrava acomodado no soutien– mas logo apossou-se dela uma sensação que, em crescendo, começou pela estranheza e culminou na repulsa. O seu pé direito não lhe parecia um pé direito. Tão pouco já lhe parecia um pé esquerdo visto pelo viés do espelho. Continuava a descer as escadas e o seu pé era, a cada passo, cada vez menos seu. Quem lhe terá trocado o pé dir