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Ruas

Não deve haver rua da minha cidade por onde tenha passado pela qual não tenha passado a pé. Passei desde as ruas mais pequenas como a Rua do Porto Santo, menos de cem metros de comprido e 3 de largura, no meio do bairro da Azenha, às Rua e Avenida da Boavista, todos os seus seis quilómetros percorridos, metade da cidade, neste e naquele troço, para cima ou para baixo, de dia, de noite, triste ou alegre. Muitas ruas me são caras, sejam por terem motivos de interesse arquitectónico e paisagístico duvidoso, como a Avenida Marechal Gomes da Costa, interesse comercial, como a rua das Flores, ou que foram marcantes de alguma forma na minha vida, como a Rua do Godim, que me levava da escola de volta a casa envolto em silêncio, mesmerizado pelos muros de pedra antigos. Já outras são especiais por aquilo que elas suscitam e que nada têm que ver com a rua em si, o seu nome ou as casas ou comércios que as compõem. É exemplo disso, a Rua Álvaro de Castelões. Mesmo tendo por lá passado muito pouc

Heróis

Todos os heróis são involuntários Sai-lhes da mão a história Porque ao destino são contrários Alvo de honra e memória Por alto erguerem a sua espada Os cobrem de fama e glória São como vela ao vento enfunada Aríete ao destino lançado Findo o vento mais são que nada É o vento o fado dourado Que resgata o mortal do anonimato Seu destino é assim lavrado Retoma a vida em seu vulgar fato E vê todos os dias iguais E murcha e desespera em recato Junta-se aos homens banais Que trilham sempre pelo carreiro Sonhando voltar a ser mais Perto da morte e pela vida desfeito Percebe o Herói que a grandeza Lhe caiu na mão não se fez no peito — Chora herói nesta reta final Vê como tão mais feliz serias Vivendo como simples mortal Suas simples dores e alegrias Como saberia tão bem o vinho Tão fresco de prazer te encheria Se de mortal fosse teu caminho Sem a Ambrósia que tocaste um dia Se os Deuses não te pedissem que por uma vez Provasses o Paraíso Nada te seria

19. O lago

A estrada era agora um grande lago azul e sereno. A berma era agora um relvado que de tão bem tratado se via muito verde e uniforme e envolvia o lago com largueza e frescura. Por sua vez, esta era orlada intermitentemente por bancos de jardim, candeeiros esguios de duas lâmpadas e pequenas edificações em pedra, sem função aparente que não fosse a de propiciar, às gentes e aos bichos, poiso para contemplação do lago. Os patos, as gaivotas, as narcejas, os gansos e os cisnes, os pardais e os piscos nas árvores, ora pastavam, ora nadavam, ora voavam em círculos, ora saltavam voando de árvore em árvore, ora dormitavam pousadas na relva, assentes num ou dois pés. O sol era agora tudo e a tudo e a todos afogava com a sua luz. Ele, deitado num banco, braço por cima da cara bloqueando a luz do sol, uma das pernas esticada no banco, a outra, pendente, dormia sentindo-se acordado. Sem que se apercebesse quando ou há quanto tempo, sentiu o peso de um cisne que pousara sobre o seu peito. Levan

14. O padeiro

Adiante, um brilho áureo emanava da escuridão. Aproximando-se, pode ver detalhadamente a origem de tal fulgor. O chão que pisava, os riscos que o delimitavam, a mansão que ali se impunha – suas paredes e janelas, telhado e caleiras, muros e gradeamentos, relva e arbustos do jardim – eram feitas de puro ouro. Ouro seria banal, pois era trabalhado em filigrana delicada. E suas reentrâncias recheadas a safiras, rubis, diamantes. Até o rouxinol que, desperto, se preparava para docemente nos despertar, era de ouro e jóias. A corsa aninhada junto ao alecrim de ouro, de ouro era, matizada de platina. O sapo junto ao charco pintalgado de nenúfares feitos de rubis, tinha olhos de esmeralda e língua de opalas. Os ovos no ninho do pisco pertenceram a um tal Nicolau e, ninguém sabe como ali foram parar. Que formidável riqueza vive nesta casa! Que esplendor emana. Que fortuna antiga a deterá? Que génio foi capaz de produzir tamanha acumulação? Sai ao alpendre um homem, pouco mais que um rapaz, d