Haverá lições a reter da vida? Pode aprender-se com o passado? Quem são os que olham para trás e temperam decisões com memórias? –7–

Não houve comoção (aquela da agitação ou abalo; não a do pesar ou pena), não vieram carros com pirilampos azuis em seu encalço, nada de cenas de perseguição em que rouba um carro a um pacato cidadão que prefere parar e deixar-se arrancar do assento do condutor a guinar e seguir viagem, nem fugas audazes por condutas de descarga ou simplesmente, deitar a correr a correr até os deixar todos para trás. Imagina que a ausência da polícia em seu encalço se fique devendo à surpresa do homem de fato, homem acostumado a que acatem suas ordens sem reparo ou viés; ao chegar acompanhado da polícia e não o encontrar, talvez tenha ficado petrificado, incapaz de compreender sua atitude. Os tiras, na ausência de prevaricador e de explicação para a razão para a qual foram chamados e, sendo onze horas, terão tomado um rápido café da manhã, com suco e bolinhos, pelo trabalho da deslocação, e feito uma admoestação ao homem de fato antes de regressarem ao giro. Se perguntou também se o poder da polícia ou daquele homem de fato existia fora daquelas onze horas; ou mesmo, se aquele homem de fato existe mesmo (giro, isto do acordo; o que é que eu quero dizer; os senhores da academia que descubram, pois eu, que escrevi isto, fiquei com dúvidas).

Não houve perseguição mas sentia-se perseguido. Porque fugia ele de uma realidade que não existia fora daquele contexto?
Repassava na sua mente todos os passos e gestos, todas as conversas e expressões faciais que fariam o guião daquele episódio. Seria imediata a razão que levou a que a polícia fosse chamada e que fugisse; bolas acho mesmo que a simples descrição do evento é um processo heurístico. Porém a estrada, a noite e o nevoeiro intimidaram-no pela primeira vez. Levaram-no para longe, para as onze horas, e de lá não saía. Sentia o longo braço da lei, da lei das onze horas, tocar-lhe o ombro e, por muito que o sacudisse, por muito que mudasse de direcção e a tentasse fincar, aquela mão pousava-lhe no ombro, o seu polegar esmagava-lhe a C7, os restantes dedos, com excepção do mínimo que se aperaltava como se de chá falássemos, apertavam-lhe a clavícula. A palma da mão, grande como um prato, assentava com força sobre a omoplata (ou escápula; senhores da academia, se faz favor…) completando o cerco ao seu ombro. Estava sob a alçada da lei, mesmo sabendo que ela nunca chegaria a actuar; não aqui nesta estrada perdida na noite e ele perdido nela.

De súbito ganhei sombra. Grande, projectada a toda a lonjura da estrada. Podia acabar aqui a narrativa, mas não o fiz, outros tempos; desloquei-me para a berma e comecei a caminhar às acuas de polegar distendido.

Queres boleia.

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