14. O padeiro

Adiante, um brilho áureo emanava da escuridão. Aproximando-se, pode ver detalhadamente a origem de tal fulgor. O chão que pisava, os riscos que o delimitavam, a mansão que ali se impunha – suas paredes e janelas, telhado e caleiras, muros e gradeamentos, relva e arbustos do jardim – eram feitas de puro ouro. Ouro seria banal, pois era trabalhado em filigrana delicada. E suas reentrâncias recheadas a safiras, rubis, diamantes. Até o rouxinol que, desperto, se preparava para docemente nos despertar, era de ouro e jóias. A corsa aninhada junto ao alecrim de ouro, de ouro era, matizada de platina. O sapo junto ao charco pintalgado de nenúfares feitos de rubis, tinha olhos de esmeralda e língua de opalas. Os ovos no ninho do pisco pertenceram a um tal Nicolau e, ninguém sabe como ali foram parar. Que formidável riqueza vive nesta casa! Que esplendor emana. Que fortuna antiga a deterá? Que génio foi capaz de produzir tamanha acumulação?
Sai ao alpendre um homem, pouco mais que um rapaz, de cara ensonada e algo temerosa, como se temesse ser furtado ou roubado, o que não é a mesma coisa.
—Olá. Que fazes para seres tão rico?
—Sou padeiro.
—Padeiro?
—Sim, padeiro. O maior de todos. O meu pão é alimento diário de milhares de milhões de pessoas. Pode até dizer-se que alimento meio mundo e dou trabalho à outra metade; sem mim, a economia ruiria, seria o fim do pão, seria a fome.
—É meritória a tua empresa. Deves ter muitas padarias.
—Não. Nem uma.
—Então muitas lojas de venda de pão.
—Não. Nem uma.
—Ok. És produtor de cereais. Tens quintas e mais quintas de campos a produzir trigo e centeio e milho.
—Não. Nem uma.
—Então que fazes tu? E como és tão bem sucedido?
—É muito simples: compro a totalidade da produção de pão de cada padaria no dia anterior a ela ser realizada. Isto é, garanto ao produtor que tudo o que ele conseguir produzir, eu vou comprar com um pequeno desconto.
—Só isso?
—Sim, mas não só. Dou instruções ao padeiro para que, no dia seguinte, venda a minha produção ao preço que normalmente o faria, acrescida de uma pequena comissão. Como vês, sou o garante da estabilidade do preço do pão, responsável por milhões de postos de trabalho e combato a fome no mundo de forma mais eficiente do que todas as organizações do mundo combinadas. O meu papel é fundamental e insubstituível.
—Se assim o pões, é porque é verdade. A propósito; toda esta conversa sobre pão, deixou-me com fome. Dás-me um?
—Nunca trago pão comigo. Poderás adquirir os que quiseres numa das minhas padarias, lá mais adiante.
Despedi-me do padeiro interrogando-me de como seria o mundo, no geral, e o negocio do pão, no particular, se ele morresse.

Comentários

Interessantíssima a sua abordagem!
Gostei.
M.M.

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