Haverá lições a reter da vida? Pode aprender-se com o passado? Quem são os que olham para trás e temperam decisões com memórias? –2–

——Não te esqueças de começar pelo número 1; se já o leste ou tens preguiça, podes seguir lendo o número 2——

Desviou-se na direcção da nova estrada, andou uns metros até perceber que o clarão que vira da estrada principal se desvanecia a cada passo, perdendo dimensão à medida que ganhava nitidez, para se revelar nada mais que uma luzinha num nicho dedicado a Nossa Senhora. Deixou esmola, que está escuro e nunca se sabe e retrocedeu, tomando, de novo, o caminho da estrada. Na estrada principal, como seria de esperar, seguiu pela berma da esquerda. Estava na berma da esquerda. Não precisou decidir, a decisão apresentou-se-lhe como um facto evidente ou uma dedução lógica imediata, colocando-o numa das bermas sem arbítrio e sem esforço. Imaginava-se tranquilo, deslocando-se por entre a noite e o nevoeiro, livre do jugo da escolha, quando deu conta que não estava descansado, não caminhava em paz e de mente vazia como acharia que poderia fazer. Porque não fez uma escolha? Porque nem sequer contemplou a hipótese de escolher? Danadas as sementes, sobretudo as da dúvida. Ao contrário das sementes de plantas, estas crescem sem água, surgem do nada sem que sequer careça botá-las à terra. A pequena dúvida de porque não fez uma escolha, fê-lo lembrar-se que se poderia ter feito uma escolha e não o fez, é porque poderia haver uma escolha a fazer. E, quando há uma escolha, pressupõe a existência de alternativa. A outra berma; e se lá houver algo para mim? Uma coisa que necessite. Não necessito de nada, mas lá está, não sei do que posso precisar; e pode estar na outra berma. Consigo ver todas as pedras, papeis, bocadinhos de plástico, restos de acidentes, migalhas de vidros, restolho de pneu, tinta de carro nas amolgadelas dos rails. Não encontrei nada que necessitasse, mas também ainda não necessitei de nada. Se deixo esta berma para me deslocar para a outra, deixarei de ver o que por aqui jaz e que pode fazer jeito. Mas não encontrei nada aqui e, por isso, vou passar para o outro lado, para a outra berma. Sem dar por isso, abandona-se a peugada traçada de forma mecânica da linha da berma e parte-se em busca do outro lado, do que é intangível por estar para lá do nevoeiro. Perdidos os referenciais, os rails e as linhas, envolve-se de medo. Ainda mais que a noite e que o nevoeiro juntos. O caminho sumiu; o grosso percurso, talhado seguindo os traços a tinta branca, sem hesitações, estava perdido; e, se bem que por momentos, era para sempre. O terror e a angustia desgovernaram-no. Estaria a andar para onde queria? Não sabia se queria seguir para parte alguma ou parte incerta, mas seria para lá que se estava a dirigir? Deveria parar; deveria dar meia volta e voltar à berma? Onde estava a berma; terá já dado meia volta, sem saber? Dobrou-se um pouco e tentou iluminar o espaço que o rodeava com a luz do ecrã do telefone. Apenas nevoeiro e asfalto. Quase em desespero, ergueu o olhar e deparou com um novo clarão. Seria mais um halo, uma irregularidade na uniformidade do nevoeiro. Acelerou a marcha. Pela constância da fonte luminosa, percebeu que era grande e estava longe.

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