Haverá lições a reter da vida? Pode aprender-se com o passado? Quem são os que olham para trás e temperam decisões com memórias? –1–

Dava passos muito largos pela estrada fora. Era noite, estava frio e o nevoeiro espesso envolvia-o de frio e incerteza. Seguia a direito, pelo meio da estrada, incapaz de se decidir por qualquer das bermas. Qual delas a mais acolhedora? Eram bermas largas, sinalizadas por traços brancos, alvos, sinal inequívoco de terem sido pintados recentemente. Tinham a bordejá-las rails com resguardos nos pilares, exigência de quem se desloca de moto e teima em cair ao mínimo excesso de velocidade. Talvez não os que caíram, mas os outros, os que ainda não caíram e temem o dia. Não conseguia decidir-se por que berma a seguir. Se uma era boa, a outra também o era. Se uma era mais curta nas curvas para a esquerda, a outra era mais curta nas curvas para a direita. E parecia-lhe que havia tantas curvas para a esquerda como para a direita. De momento, nenhuma; mas por certo curvas haveria para lá da recta e do nevoeiro. Se numa toda a gravilha foi limpa, igual labor se teve com a outra. Se uma era asfaltada, a outra também o era; e se uma era larga e desempedida, assim também era a outra. De facto, pareciam uma berma só. Não fosse serem claramente duas, separadas por uma estrada, melhor, delimitando a estrada em que caminhava a passos largos, diria haver uma só berma; uma impossibilidade geométrica, um paradoxo. Duas bermas portanto e uma apenas poderia calcorrear naquela noite de nevoeiro. Mais do que a noite, o frio, o medo de percorrer só aquela estrada, incomodava-o não conseguir decidir-se. Se era apenas uma berma, então não haveria dificuldade pois não haveria escolha; mas havia. Dizia a si mesmo que iria pela esquerda, mas os pés teimavam em calcar os traços descontínuos das rectas e os contínuos das curvas, das lombas e das aproximações a cruzamentos. Dizia que ia pela da direita, mas não se achava a deixar a equidistância que mantinha das bermas. Num desses cruzamentos que por causa do nevoeiro, surgem à falsa fé e assustam quem vai, julgou ver luzes na estrada que levava aparentemente a lado nenhum; uma casa, um comércio?

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