Estibordo / Bombordo



Noutras alturas o mar bate empurrado pelo vento, estropia-se nas pedras, faz salpicos que o vento empurra para a praia. O sol ladrilha tudo de luz esbatendo o verde para os cantos do mar, para os fundos da vista, para a crista das ondas no momento em que estas se consomem pela própria força. Só posso adivinhar o verde, dizes-me tu. Há um petroleiro lá; pousado no ladrilhado de luz; subjugado por dois rebocadores; amansada fera do alto mar. Pudesse ver mais do que apenas a sua silhueta e veria uma alma quebrada, cheia de medo dos rochedos e das correntes costeiras, com vergonha das amarradas lançadas pelos rebocadores. Nem imagina que para ser bom no alto mar, não o pode ser junto à costa e que precisa de ajuda. Bastou um silêncio e um olhar e contaste-me tudo. Como tu Estibordo sabes que Bombordo já não é teu. Sabes que o perdeste mas ainda o queres para ti. E olha, dizes. Olha a pérola que juntos criamos. Que só juntos podemos manter. Mas ele já lá não está. Ainda é o teu Bombordo mas o seu rumo é outro. O mar agora é só sal. Entranhou-se na pele e faz doer. Já não é o sal que sentias ao canto da boca e dava alma aos beijos, já não é o sal que vos mantinha à tona. É o sal que faz sede, é o sal que matou. E o que é mar em cabriolas de cria, brisa fresca de sorvete, torpor sonoro de rebentação, é vaga que enjoa, sopro gelado, berro insuportável. E eu, vampiro que nunca amou senão a eternidade da sede, assisto à tua dor sem a perceber mas seguro da iniquidade da solução vizinha. Instalada a dor, perdido o rumo, qualquer remendo é a prazo. E se o prazo for a vida toda é porque as vontades voaram para longe, para lá da vida e de nada valem. Mas eis que passa uma gaivota e paira contra o vento, não luta contra ele, domina-o, adoça o seu revolutear para seu sustento. Mais duas se lhe juntam. Uma pousa e pia. Chama por ti, incita-te a voar.

Passado algum tempo, sei lá quanto é preciso, o mar voltará a ser verde, o céu tornará a ser pintado por Cezanne, luminoso com nuvens auspiciosas e tu, pairando sobre as ondas do mar, serás novamente una.

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