Em 1919, um cozinheiro do hotel Ritz de Paris tenta, em vão, participar na conferência onde se debatia a criação da Sociedade das Nações, apresentando uma proposta para a autodeterminação do povo.
Perante a inevitabilidade da decisão tomada, aproximou-se da enorme lareira aberta. Atirou de um lanço metade do Brandy que tinha no copo para o fogo logo o consumir numa chama azul, sem rasto nem história. Olhava o fogo sem chama no olhar, mantinha o braço direito esticado na direção do fogo, palma aberta, voltada para baixo, sem experimentar o calor. Vivera seco toda a sua vida, seco de vontade, seco de afeto, seco de propósito. Cuidava no fogo um amigo que o secaria ao extremo, sancionando a sua decisão. Aproximou-se um pouco mais, resistindo ao fogo que o aquecia cada vez menos e, fixando o olhar no moirão de ferro ornado com duas cabeças de cão, percebeu que estas se moviam para o fixar. Será artimanha do ar quente? Será partida do Brandy ou a sua mente cansada que o fazem ver coisas que não existem? Ainda assim, os cães fitavam-no. Fixamente. Sem os rodeios de olhares cruzados por acaso. E dos seus olhos mortos escorria uma luz amarela; e das suas bocas assanhadas palpava um gost...
Uma cacofonia enche-me os ouvidos como água de uma piscina onde um sol abrasador me força a mergulhar e dela sou impedido de sair por um vento cortante. São vozes de mulheres e homens, de coisas que passam e cães que, de ladradores, ladram, estrepitosas umas, basais outras, ora em confronto ora em conluio; são vozes de si sobre si, raramente vozes de outros. Diz o tato, em voz de tato, que ‘…ela dite atim…’, e lamentavelmente levo a mão à boca para não a soltar, e tapo o nariz para não o fungar. Lamento o tato e o seu interlocutor feio, atrás de uns óculos lamentavelmente feios, e lamento não ser o tato, timples na tua timpliticade tátil de palato impedido e livre de ser, sem compromisso filosófico, nem censura intelectual. Desprezo-me por saber que os €49,50 da mistela em boião, ou pó, ou pasta solúvel não me permitirão emagrecer; censuro-me por perceber que a vizinha é má porque eu sou mau para ela; castigo-me emocionalmente por ter por certo que se aquele enganou os irmãos nas part...
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