Passa um homem…

Passa um homem que julgo conhecer bem sem saber bem quem é. É alto o suficiente para o seu olhar estar acima de quase todos os olhares; mas não tão alto o suficiente para ser o mais alto. Talvez não haja o mais alto pois que, na verdade, apenas um poderá dizer: sou o mais alto. E, mesmo assim, poderá não ter disso conhecimento, impedindo-o de reclamar tão galardão. Havendo ou não um mais alto que todos os outros, esse um, não era ele. Era alto o bastante para que se sentisse acima dos demais, mas não tanto que, de forma cada vez mais frequente, alguém mais alto que ele passasse por si e o lembrasse que os havia mais altos e que para esses gigantes, ele estaria entre os mais baixos da Terra. Era magro; era. E aí, a latitude de conceito estava bem mais diminuída. Era magro, ponto final; e alto, ponto final.

Não era bonito, mas também não era feio. Poderia até dizer-se que não assustava ninguém. Talvez assustasse uma criança estranhona. Mas essas, tudo assusta. Tudo menos as boas mães, as que já são e as que hão-de ser; boas mães. Pois essas são reconhecidas como tal e não há estranheza que lhes pegue; nem de crianças estranhonas. Dois lampejos de um verde tímido, quebravam a monotonia cromática duma tez clara e dum escasso cabelo negro (negro fica melhor que preto e não lança acha para as fogueiras das críticas dos corretos) e duma barba que lembraria um campo em pousio. Por algum motivo, esses olhos verdes pareciam preceder, nalgumas pessoas, a peculiar disposição dos vários elementos da sua face; a saber: o nariz proeminente; as orelhas assimétricas; as sobrancelhas fartas e a barba que, para lá de bravia, não sendo branca, já não era preta (quero lá saber); a boca rasgada e triste. Mas também as pestanas compridas (ó vaidade nas pestanas, a quantas guerras levaste). Poucos seriam os que se deixariam cativar pelo verde dos olhos. Talvez, em tempos, no mar, sob o sol e entre ondas, alguém lhe tivesse dito: que olhos tão verdes. Afogo-me neles para que me resgates das ondas. Mas foi há tanto tempo que já não se lembra de lho haverem dito. Assim como não se lembra de quando, décadas mais tarde, com a sua filha pela mão, ouviu uma mulher dizer a outra: que homem bonito; ao que a segunda respondeu: nã, tem as orelhas grandes. Não tens sorte nenhuma, não se lembra de pensar. Recorda apenas ter seguido caminho e sorrido enquanto segurava a mão da sua filha.

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