É no nicho mais pequeno, pouco mais que gota de veneno

É no nicho mais pequeno, pouco mais que gota de veneno, que está o António que é santo feito de pau mas não de pau feito, pois diz-se que nem em vida lhe deu dito efeito. Ajoelha-se a penitente em pranto e pede ao santo que lhe dê o pouco que lhe saiba a tanto; basta que ele olhe para ela quando passa, nua, à sua porta e que não lhe ponha cara torta de quem vê e desdenha, que um dia sua vida terá resenha em livro de história, estará presente na memória dos que ali viveram e disseram: ai a Ermelinda, nem santo António lhe valeu, tanto pediu e o amor não lhe aconteceu; a vizinha que é nova no bairro e desconhece a tragédia, troca as voltas e toma-a pela galdéria que lá vivia e fugiu com o marido da interlocutora; os socos servem para calçar e atirar à cabeça, pois seja; já outra se ajoelha e também pede, mas não amor, desse já tem quem lho dê com fartura; esse que amor lhe deu, bebeu e agora paga a factura: está doente e a morrer, tão mal que mais um dia é notícia de jornal que se fecha sem ligar ao que está mal nem ao que, afinal, está bem mas nunca lembra a ninguém. Ajoelha-te tu também, santo, António de nome, santo de profissão, uma prisão de vida de servidão a um amo invisível; ajoelha-te perante este novo amo que não ostenta clarão mas cujos pés nunca tocam o chão que é mais duro no momento em que mais um cigano se ajoelha e tu dizes que é engano que não há milagres para quem vive de vender pano; vai o cigano e fica o burro que te pede para largar os livros e tudo, voltar ao estudo da aveia e da barriga cheia, dos filhos de cara rosada e da mulher emprenhada mas ventilada por o menino estar atravessado e, sentindo-se emparedado, desata aos chutos aos órgãos vitais, periféricos e centrais. A todas as mulheres de soldados, sargentos e oficiais, a todos os ciganos e burros, a todos os gentios e bravios, cabresteiros e banqueiros, tu vais, do teu nicho pequeno, pouco mais que gota de veneno, fazendo o milagre de acreditarem em ti: cura-se o mal mas o remédio não fez tal, foi o santo no pedestal; tem-se a promoção mas não é do trabalho o condão, antes do santo que deu uma mão; tem um homem que a adora mas não foi das mamas quase de fora, nem visitas fora de hora, mas do santo a quem tanto implora; foi a gorda esmola que livrou o menino da cola, foi a velinha a arder que fez os quilos desaparecer. Passas pelos anos mas não os anos por ti, estás tão novo como de quando te vi pela primeira vez incrustado, no nicho altivamente anichado, a pedra debruado, com flores e caracóis por todo o lado

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