O astronauta

Em 1969, os humanos, ou uma ínfima fracção destes, realizaram uma proeza que tenho por insuperável. Dando seguimento natural à sua impelente vontade, abandonaram as mais ou menos conhecidas paragens terrenas e partiram à conquista de novas fronteiras, fazendo pousar em segurança dois dos seus na superfície lunar. Observei a transmissão e fiquei estupefacto. Ver aqueles dois humanos, Armstrong e Aldrin, saltitando na lua como dois meninos desajeitados, guardando pó e pedras nos bolsos tal qual dois garotos do campo em visita de estudo à praia, fez-me curioso de experimentar as sensações vividas por tais senhores.

Sabia, por ter visitado em tempos o centro espacial, que parte do treino para as caminhadas lunares era realizado em piscinas onde, dada a superior densidade da água, era possível simular com algum rigor a menor gravidade do satélite terrestre. Depois de empreender sobre a tarefa e muito planear, mandei costurar um fato espacial usando como modelo as imagens televisivas e fotos de revistas que comprei nos estados unidos. Fui específico na medida do possível, ao ponto de replicar os símbolos da missão, todos os fechos, dobras e pregas. Comprei inclusive o relógio oficial da missão, objecto que viria a revelar-se inútil, tanto aqui como, acho, na lua. O capacete colocou os maiores problemas. A costureira disse-se incapaz de fazer igual, o que compreendo, disse também que mesmo que usasse um capacete de piloto de competição, ela não o conseguiria tornar estanque. Apeteceu-me por-lhe fim à carreira e troca-la por um alfaiate, mas como levava o trabalho a meio, estava a ficar bonito e me fazia tão boas camisas, optei por me manter afastado do seu pescoço. Reflecti melhor e apercebi-me que o problema da estanquicidade seria ultrapassável de duas simples formas: primeira – aqueceria a água da piscina; segunda - não respiro há mais de um milénio. Concluído o fato, nele integradas as botas, luvas e capacete, se bem que de forma não estanque, vesti-o e atirei-me à água. Fui ao fundo, ainda toquei com a ponta das botas no chão da piscina, mas logo comecei a subir para ficar ali a boiar. Achei que havia muito ar dentro do fato e, para o retirar, abri um dos fechos e deixei entrar a água. Nada. Continuava uma rolha. Talvez necessitasse de lastro para me fazer descer. Saí da piscina e, ponderei sobre o que daria um bom lastro, que me afundasse sem me prender. Optei por duas donzelas, ou melhor, o que delas restava, que era tudo menos o sangue, e a vida, para me servirem de lastro. Com uma moça debaixo de cada um dos braços, saltei de pés para a piscina. Pior, desta feita nem toquei o fundo. Aparentemente o lastro era mais do que ineficaz, tinha até função contrária. Usando-as como flutuadores, compreendi a burrice da minha escolha; são mulheres, logo têm uma massa óssea menos densa, têm um índice superior de adiposidade e, ainda por cima, aliviei-as do seu sangue, o que nelas deveria valer aí uns três ou quatro quilogramas. Palerma; a trabalheira que tive para as meter lá dentro e a trabalheira que vou ter para as tirar. Amanhã continuo.

Novo dia. Ainda não estou pronto para desistir das moças. Normalmente retiro-lhes a gordura, ao estilo lipo-aspiração e faço com ela um excelente sabonete que vendo às melhore perfumarias de Paris. É muito requisitado porque, ao contrário de outros, não seca a pele. O cabelo, se for forte, vai para perucas. Após cozinhar tudo muito bem e dar as carnes aos muitos animais que possuo, arranjo os esqueletos e vendo-os a faculdades de medicina ou quem deles retirar prazer da companhia. Mas, e voltando atrás, se é peso que elas precisam, peso lhes darei. Enfiei cada uma numa armadura de cavaleiro medieval. Indumentária completa: camisa de linho grossa, cota de malha, armadura de latão, articulada dos pés à cabeça, elmo. Ficaram pesadas, bem pesadas, mas giras, muito brancas dentro dos elmos cobreados; alguns cabelos revoltos escapam-se da pela abertura para o rosto; as pálpebras escurecidas e os lábios roxos dão-lhes um ar que muito me agrada. Todos à água. Mergulhei e afundei rapidamente. Ficamos os três, muito parados no fundo da piscina. Vitória!, pensei. Revi então a transmissão televisiva e procurei imitar Armstrong pulando pela superfície lunar. Um pequeno impulso deveria chegar. Qual quê, nem saí do sítio. Saltei com mais força, nada. O raio das armaduras funcionaram demasiado bem. Se tinha inicialmente pecado por defeito, pequei agora por excesso que, no que toca a pecar, é igual. Tu, fica aí pousadita que já te ponho a seco. Tu, cavalitas do pai. Vamos lá, um pequeno passo para um vampiro, um salto gigantesco para o alegrar da existência eterna. E não é que funcionou? Atingi o equilíbrio e consegui simular na piscina do meu castelo a gravidade lunar, equivalente à sexta parte da terrestre. Com um pequeno saltou, um voo; com um passinho, um passeio. Só há um problema, que julgo à partida insuperável: a maior densidade da água impede-me de dar aqueles saltos para frente e os movimentos dos braços não são tão fluídos, terei de me conformar. Nota mental: para maior diversão pedirei à costureira que me faça uma grande mochila, onde possa enfiar a moça com a respectiva armadura, libertando-me os braços para melhor me movimentar cá por baixo.

Comentários

Anónimo disse…
olá, boa tarde :) vim com grande curiosidade conhecer o teu espaço! quando eu era pequena dizia que queria ser astronauta :) o que não se realizou... agradeço a tua presença no lançamento do meu livro e fico à espera que a joana volte em breve para nos reencontrarmos e conhecermos melhor. um grande beijinho *

Mensagens populares deste blogue

Coração

Fuck’in eden