Esqueci

Quase já não me lembro do que era acreditar. O conforto de chamar por Deus; de pedir ajuda sem a desilusão da Sua indiferença; de agradecer por algo que podia ter corrido pior; de reconhecidamente me obrigar a pagar pela recompensa do meu esforço; de voluntariamente me diminuir perante o nunca visto e jamais percepcionado; de entregar o controlo das minhas acções a um indistinto crer; de consolar as mágoas na esperança de um avatar que sei nunca chegar.

Praticamente esqueci o calor das orações, o regozijo dos cânticos, o enlevo da hóstia colada ao céu da boca, a plenitude do jejum. Perdi para a bruma da memória os nomes dos santos, dos espíritos e das divindades. Como era bom cantar a Hanuman em tempos difíceis – Vitória à tua vibrante força –; que paz dava rezar a S. Cristóvão ao atravessar as negras florestas – Livrai-nos, S. Cristóvão, da morte súbita, imprevista, natural, desastrosa ou violenta –; que luz irradiava das grávidas ao queimarem incenso na base do altar de Taueret – Mãe-Hipopótamo protege o meu filho e protege-me a mim –; que serenas as palavras do Trovão antecipando a chegada do homem branco.

Pela vida vivi em comunhão com um Deus e com milhões de Deuses. A eles pedi conselhos, a eles agradeci. Em nome deles salvei, em nome deles matei. Por eles me superei, me castrei, me fiz melhor e mais forte, me tornei azedo e violento.

E agora? Sem Deus a que rezar, sem Deus a que pedir consolo ou contas, como supero os dias iguais? Que motivos tenho para vencer os obstáculos da existência? Agora que não tenho Deus ou Deuses para me dirigir, porque estou aqui então?

Em que ficou a imortalidade dos Deuses esquecidos? Ainda movem montanhas? Ainda inundam e destroem? Se já não ouvem preces, ainda existem?

Será possível que os Deuses morram?

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