Em 1919, um cozinheiro do hotel Ritz de Paris tenta, em vão, participar na conferência onde se debatia a criação da Sociedade das Nações, apresentando uma proposta para a autodeterminação do povo.
Perante a inevitabilidade da decisão tomada, aproximou-se da enorme lareira aberta. Atirou de um lanço metade do Brandy que tinha no copo para o fogo logo o consumir numa chama azul, sem rasto nem história. Olhava o fogo sem chama no olhar, mantinha o braço direito esticado na direção do fogo, palma aberta, voltada para baixo, sem experimentar o calor. Vivera seco toda a sua vida, seco de vontade, seco de afeto, seco de propósito. Cuidava no fogo um amigo que o secaria ao extremo, sancionando a sua decisão. Aproximou-se um pouco mais, resistindo ao fogo que o aquecia cada vez menos e, fixando o olhar no moirão de ferro ornado com duas cabeças de cão, percebeu que estas se moviam para o fixar. Será artimanha do ar quente? Será partida do Brandy ou a sua mente cansada que o fazem ver coisas que não existem? Ainda assim, os cães fitavam-no. Fixamente. Sem os rodeios de olhares cruzados por acaso. E dos seus olhos mortos escorria uma luz amarela; e das suas bocas assanhadas palpava um gost...
– Que sente? – Nada. E na verdade, tudo. É uma sensação de desconforto tão ligeira que é como se todo o ar do mundo me caísse em cima. – Anseia? – Por nada especial. Por ser pai; por ser homem. As ânsias exigidas aos pais e aos homens, creio. Tão longe fico nesta dor, e tão só, como só os que se abeiram da morte ficam. Tão perto da condição última da vida me sinto que apenas me faz desejá-la. – Teme? – Deveria temer. Mas não consigo. Deveria ficar temente desta dor mas apenas adormeço nela. À medida que me embala, nos arremessos da sua intensidade, esquecido nesta sala dita asséptica, entre dor, cansaço e a um trabalho indiferente à dor e ao cansaço, encontro tempo e justificação para o ócio, o devaneio e o fluir livre do pensamento. O peito dói, os dentes doem. O homem sente a liberdade.
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